Nossa Gente: A arte de forjar titãs
Conheça um pouco da história daqueles que trouxeram a arte e a alegria para os corredores do Ifes.
Engana-se aquele que, ao observar os muros do Ifes Campus Vitória, crê que ali apenas haja a preocupação com a formação tecnicista. Contrariando essa falsa impressão, basta dizer que a vida no campus sempre foi muito agitada, como bem observa Célio Paula da Costa, maestro da Banda Pop&Jazz, relembrando o começo de sua carreira na escola: “Os alunos eram ávidos por querer fazer arte, música, atividade física, cultura. Isso aqui era um negócio que eu nunca tinha visto. Pulsava. Já às 6h da manhã tinha gente nadando, correndo na pista, músicos tocando, oficinas de madeira, mecânica e metalurgia bombando, gente com o teodolito nas costas subindo morro. Era um negócio que inspirava”.
Os grupos de teatro, a Banda Marcial, os corais, a Orquestra Acadêmica e a Banda Pop&Jazz são exemplos de manifestações artísticas que movimentaram e, em alguns casos, ainda movimentam a vida dos alunos. Algumas delas datam ainda da primeira metade do século passado, como o caso da Fanfarra ETV, fundada na década de 1940. Ela foi dirigida pelo ex-corneteiro da Polícia Militar do Espírito Santo, Antônio Rodrigues Pontes, até 1955, quando assumiu o professor Luís Cláudio da Silva. No começo da década seguinte o grupo passou por mudanças e acabou nascendo, em 1961, a Banda Marcial da Escola Técnica Federal do Espírito Santo (BMETFES). Em 1976, o maestro Wilson Couto Lírio tornou-se seu coordenador. Com sua aposentadoria, em 1996, a banda encerrou suas atividades, tendo acumulado em seu currículo, além de apresentações em vários locais do Brasil, diversos prêmios.
Tendo uma participação ativa nessas décadas de Banda Marcial, Célio foi contratado em 1984 com uma dupla missão: auxiliar o maestro Wilson e fundar a Banda de Música da Escola Técnica, renomeada de Banda Pop&Jazz, em 1987, nome que ostenta até hoje. Nascido em São Fidelis, estado do Rio de Janeiro, ele começou estudar música antes até de aprender a ler. “Minha formação musical teve início em 1968, quando entrei no Jardim de Infância Ana Passos, que, pra minha sorte, tinha ensino de música, onde fiquei até os sete anos de idade, nesse período a criança só era alfabetizada após essa idade”. Iniciou seus estudos regulares na nova escola e, ao mesmo tempo, estudou música na Primeira Igreja Batista de seu bairro. “Quando eu fiz 12 anos que eu fui fazer um curso de música profissionalizante. Entrei na Sociedade Musical 22 de Outubro, fundada em 1916. Essa data tem a ver com o Patápio Silva, tido como o primeiro negro celebridade da música no Brasil, como instrumentista de sopro. Ele era conhecido como o criador do Choro Brasileiro”. Aos 15 anos tornou-se professor e maestro auxiliar dessa escola, além de estudar e tocar em todo o Norte-fluminense. Aos 19 anos iniciou sua carreira na então Escola Técnica.
Paralelamente à sua atuação na Banda Marcial, ele tocava o projeto da Banda de Música da Escola Técnica que, segundo ele, “foi um filho que eu consegui estrear com menos de um ano e foi um marco. Lotamos o teatro com várias autoridades”. Na Banda ele podia explorar a música popular brasileira e todas as influências dos afrodescentes, assim como dos povos originários e dos europeus, que fizeram parte de sua formação em sua cidade natal. “Meu pai tinha um botequim onde só tocava música brasileira, e toda semana tinha uma roda de Choro; então, época de ouro, muitos artistas desciam do Rio e acabavam tocando lá em casa. Tive acesso ao Jongo, Caxambu, Samba de Roda, Samba de Terreiro, Partido Alto, Choro”. Nesse começo ele também começou a estudar Jazz, pois enxergava uma correlação entre esse estilo e a música popular brasileira. “Com isso fomos trabalhando aqui e encontrando uma linguagem, e naturalmente ela foi tomando essa forma de uma orquestra de música popular brasileira com ramificações no Jazz, recebendo então o nome de Banda Pop&Jazz. É um grupo de música popular e o Jazz, para a gente, está na essência, ele é essa liberdade de expressão. Toda música que nós tocamos tem um espaço para se improvisar”.
Os clássicos
Também datando da primeira metade do século XX, a atividade coralista nasce, na instituição, com o Orfeão Lorenzo Fernandes, conduzido pela professora e maestrina Maria Penedo. Com o seu falecimento o grupo foi renomeado para Coral Maria Penedo. Heraldo Silva Filho assumiu, então, a sua regência em 1993, com a aposentadoria de seu antecessor, e já soma 30 anos à frente dos corais. Ele, que é Técnico-Administrativo em Educação (TAE), tem formação em Bacharel em Música e Canto, pela Faculdade de Música do Espírito Santo (Fames), antiga Escola de Música do Espírito Santo (Emes). Foi um dos responsáveis pelo projeto Canto Coral e Banda nas Escolas, do Governo do Estado. Além dos corais do Ifes, ele rege o do Hospital Evangélico, é cantor lírico e professor de técnica vocal e de canto.
“Eu vim trabalhar aqui como assistente administrativo mesmo. Em 1993, após um abaixo-assinado com participação massiva, eu comecei a fazer testes e montei um coral de servidores”. No mesmo ano ele assumiu o Coral Maria Penedo. Em 1997, ele selecionou alguns alunos e os inscreveu no concurso de Coro Juvenil da Funarte, onde, dentre mais de 200 concorrentes, conquistam o quarto lugar. Heraldo acumula hoje inúmeras histórias e viagens, inclusive para fora do país, à frente dos vários corais do Ifes. “Minha meta é deixar o coral como era antigamente. Eu cheguei a fazer parte dele nessa época, mas como não era aluno da instituição, o Zenaldo me expulsou”, conta ele aos risos.
Com passagem pela, na época Emes, o docente Walter Costa Bacildo, hoje é o maestro da Orquestra Acadêmica do Ifes. Seus estudos de música começaram na adolescência, por influência do avô. “Ele era um amante de música, apaixonado por violão e me incentivou a estudar”. Nessa época morava em Linhares, apesar de ser natural de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. “Comecei pelo violão, mas logo descobri o violino. Como lá não havia profissionais para ensinar esse instrumento, vim pra Vitória para poder estudar. Fiz minha graduação lá, inicialmente com o violino, mas acabei mudando para licenciatura, o que me permitiu entrar aqui”. A regência, segundo ele, começou na igreja, organizando os colegas que tocavam. Posteriormente fez um curso de regência e começou a reger corais no norte do estado. Nessa época acabou, a convite da prefeitura de Linhares, fundando uma orquestra de câmara na cidade. “Muita gente pensa que reger é estar lá frente balançando o braço, mas a gestão de pessoas é tão fundamental quanto a prática de ensaio”.
Walter entra no Ifes em 2015, no campus Colatina. Lá ele descobriu a extensão, uma possibilidade de desenvolver projetos junto à comunidade. “Assim comecei um trabalho lá, reunimos alguns alunos e músicos da cidade e nasceu a Orquestra de Câmara do Ifes Colatina”. Por questões familiares, em 2019 acabou pedindo mobilidade para o Campus Vitória. A ideia inicial, com sua vinda, seria montar uma orquestra de câmara, mas como a procura foi enorme, o projeto teve que ser ampliado, o que resultou na atual Orquestra Acadêmica.
Quando questionados sobre como é trabalhar com arte no Ifes, eles, em uníssono, respondem: “desafiador”. “É difícil, mas não impossível, olha o tempo que estamos aí fazendo isso”, completa Heraldo. “É complicado porque não temos uma estrutura voltada para isso, então a todo momento parece que a gente está construindo algo novo, o que é surpreendente quando se tem a tradição de décadas que temos em cultura na escola”, finaliza Walter.
Em cena
Leda Brambate Carvalhinho entrou no Ifes na década de 60, a convite do então diretor Zenaldo Rosa da Silva. “Entrei como professora de Educação Artística, reformei todo o programa e já no primeiro ano os alunos escolhiam o que fazer. Tinha teatro, música, coral, oficina de arte com madeira, desenho e pintura e serigrafia. Aí eles optavam por uma dessas oficinas. Eu ficava com a serigrafia e o teatro. Teve época de, no teatro, eu ter mais de 180 alunos”, lembra a professora, que é formada em Música pela Emes e em Artes pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
O primeiro grupo de teatro do campus, segundo ela, foi o Gaivota, surgido em 1976. Em 1986 ele passa a se chamar grupo Hiante – Teatro do Ifes, tornando-se uma entidade jurídica e contando com 50 membros efetivos e 100 alunos iniciantes. “O Hiante foi um grupo muito bom, nós produzimos muita coisa. Fiz muitos cursos e dava a eles muitos exercícios. Era realmente uma formação”, lembra Leda. “O grupo acabou ficando famoso, a gente viajava muito, fomos para Juiz de Fora, Rio de Janeiro. Vendíamos ingressos e conseguíamos nos autofinanciar, comprar figurino, fazer cenário e pagar direitos autorais”, conta a professora. Ela esteve à frente do grupo até se aposentar. “Sinto saudades até hoje, éramos um grupo de amigos”, finaliza.
Quem hoje dá continuidade a esse legado das artes cênicas é o Alciares Mello dos Santos. Ele, que é TAE, começou sua jornada no Ifes por Ibatiba, em 2011, onde ficou por três anos. Em 2014 veio para o Campus Vitória, inicialmente por um curto período, pois sua intenção era retornar para Colatina, sua cidade natal. “Esse período em Ibatiba foi muito importante, foi onde aprendi a fechar ciclos e iniciar novos, necessidade que tenho até hoje. O teatro é um ciclo que acabei de iniciar”, conta o servidor.
O teatro sempre foi uma paixão, segundo ele. Já em Vitória participou e foi aprovado em uma seleção para um curta produzido no curso de Cinema e Audiovisual da Ufes. Na sequência acabou participando de uma oficina, o que lhe rendeu mais uma produção cinematográfica. Sentindo necessidade de sistematizar o conhecimento, entrou para a Escola de Atores de Vitória, onde após frequentar, por dois anos, um curso livre, leciona. Na sequência entrou para a Escola Técnica Municipal de Teatro, Dança e Música (Fafi), para fazer mais uma formação. Lá conheceu Antônio Marx, egresso do Ifes, cujo sonho era retomar esse trabalho com teatro na Instituição.
“Quando acabei o curso na Fafi, submetemos o projeto de extensão e começamos a nossa história com teatro aqui no campus. Maturamos a ideia em 2021 e em 2022 já tínhamos um edital na praça. O Antônio foi uma peça muito importante nesse processo, porque ele tinha esse sonho de ver a coisa acontecendo aqui. Hoje ele é um dos professores que ministram oficinas, atuando de forma totalmente voluntária. Já produzimos um espetáculo bem legal, “A Bruxa de Toledo”, fomos aprovados no Festival Nacional de Teatro, na categoria estudantil, e iniciamos o Grupo Artífice de Teatro”, conta Alciares. "Apesar dos desafios, ficamos felizes de colocar o nosso pé na história do Ifes. Estamos nesse labor, esse construir peça por peça, e engrenagem por engrenagem, esse lugar que a gente quer chegar. Meu sonho é ter mais tempo para me dedicar e levar o teatro produzido aqui para as escolas da rede pública, algo a que não tive acesso, e assim trabalhar a criação de público”, conclui.
Com uma história de manifestações artísticas tão presentes, e tão profícuas, é inegável a marca deixada na alma daqueles que por aqui passaram, e na dos que ainda hoje podem vivenciá-las. Nessa forja de jovens titãs, a Arte é mais uma ferramenta na formação de nossos alunos; afinal, como disse o poeta e dramaturgo russo Vladimir Maiakóvski, “a arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo”.
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